Luiz Fernando Bettella

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Luiz Fernando Bettella

Em frente à Fontana

A escolha do hotel em Roma foi cercada de muito cuidado, desejávamos a melhor localização, não o melhor hotel, afinal de contas, estávamos prestes a visitar a Cidade Eterna pela primeira vez. Enfim conheceríamos o Coliseu, a via Ápia, o Fórum Romano, as ruínas do magnífico Império Romano, os majestosos monumentos que um dia havíamos sonhado visitar viajando através das gravuras dos livros de história do colégio. Em nossas viagens, boa localização é prioridade, sempre foi. Luxo, espaço, café da manhã, conforto, estilo e beleza ficam em segundo plano, são critérios de desempate. Então, depois daquela tradicional pesquisa com o auxílio do Google Maps, escolhemos um hotel em frente à Fontana Di Trevi. Apertado, acanhado e antiquado, mas muito bem localizado. A primeira impressão não foi boa. O carpete antigo tinha cheiro de mofo. Para acessar o único minúsculo elevador que parecia ter sido usado por Nero, abria-se uma porta de sanfona que rangia a cada centímetro movimentado. O quarto escuro enfeitado com papel de parede amarelado não tinha vista para nada. As instalações deixavam um pouco a desejar, é verdade, mas a localização haveria de compensar. Um café da manhã ou um happy hour contemplando a beleza da Fontana ao som das águas reverberando naquele mármore Carrara seria uma experiência ímpar. E foi. 

Antes de seguir, é preciso fazer uma pequena correção em relação à localização do hotel: não era exatamente defronte à Fontana, e sim um pouco ao lado, na diagonal, vizinho à magnífica igreja Santi Vincenzo e Anastasio. Da sacada onde serviam o café da manhã, era possível ver apenas metade da Fontana Di Trevi. Ainda assim, valeu a pena, valeu cada centavo de euro gasto. O som das águas e do leve burburinho de visitantes que se formava já nas primeiras horas da manhã nos dava a certeza de que estávamos vivendo momentos mágicos, inesquecíveis. É bem verdade que a magia foi muitas vezes interrompida pelos apitos dos guardas que desempenhavam com fervor a missão de impedir que as pessoas se banhassem nas águas límpidas da fonte ou que pegassem as moedas jogadas pelos turistas. Muitos querem entrar na água. A maioria em busca de fotos e vídeos para postar nas redes sociais. Há também casais tentando encenar o banho de Anita Ekberg e Marcello Mastroianni do filme La Dolce Vita de Fellini, e ainda os que cobiçam as moedas dos turistas.   

Aproveitamos a estadia. Não foram poucas as vezes em que sentamos na arquibancada para apreciar a beleza da obra, a perfeição da estátua de Netuno com seus dois cavalos – um calmo e outro selvagem – representando os dois estados do mar. Algumas vezes fomos afugentados por grupos de chineses cujos lanches malcheirosos nos causavam náuseas, mas o saldo foi positivo. Fosse com sorvete ou vinho, vivemos os melhores momentos tarde da noite, quase madrugada, quando chegávamos cansados da maratona turística do dia para uma última e calma contemplação com a Fontana quase deserta. 

Aproveitamos sim. Não deixei de seguir a tradição de jogar uma moeda nas águas, mesmo com o alto valor do euro. Dizem que quem joga a moeda com a mão direita sobre o ombro esquerdo, de costas para a fonte, voltará a Roma. Eu desconhecia a lenda. Ao jogar, fiz um pedido, e por sorte fui atendido, diferentemente do que aconteceu na lagoa do Abaeté alguns anos antes. Lembro bem. Naquela ocasião, meu pedido não foi atendido. Imagino que um dos guris que apanhava as moedas dos turistas tenha catado a minha antes que caísse na água. Deve ter sido isso, não vi,  estava de costas, mas parece ser uma boa explicação.     

Durante nossa estadia, os amigos Dani e Inês estavam em Glasgow programando alguns dias em Roma como próxima etapa da viagem. Não foi difícil fazer com que se interessassem pelo hotel a partir das trocas de mensagens e fotos pelo Whats. Mesmo com pouca antecedência, conseguiram reservar o hotel e se hospedar poucos dias depois que deixamos a cidade. 

Lembramos com frequência daquele hotel em nossos encontros. Dani invariavelmente lança mão de sua célebre frase, a partir da qual parece não haver mais nada a ser dito. A frase é poética e cômica, tenho a convicção de que me inspirou a escrever este texto: “Experiência inesquecível acordar cedo em Roma e escovar os dentes na Fontana Di Trevi ainda vazia.” Ele nega ter feito, diz que é apenas fantasia, imaginação fertil, mas seria bem possível. Seria épico, inesquecível. Porque não pensei nisso?  Quem sabe na próxima vez…

8 comentários em “Em frente à Fontana”

  1. Adorei a dica e o texto é muito bom, tens talento para a escrita, parabéns!! certamente vou quer os dados do Hotel para uma futura hospedagem!abs

  2. O elevador “que parecia ter sido usado por Nero”…kkkk
    Eu e Nara também sempre optamos por localização. E isto vale também para restaurantes, com um pouco menos de peso, mas ainda assim importante!
    Muito bom texto Bettella. Cada vez melhor.

  3. vou complementar o texto falando do local do cafe da amanhã que ficava num terraço tão grudado na igreja ao lado que os anjinhos da fachada pareciam que estavam de olho no meu café!

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