Entramos cedo no Louvre, logo depois da abertura do museu. Na noite anterior, sentados na escadaria do Trocadero, contemplando as luzes piscantes da torre Eiffel ao som de Perfect do Ed Sheeran, havíamos planejado ver a Mona Lisa antes que o museu lotasse. O site informava que o quadro havia mudado de lugar em razão de reformas, e indicava o novo local em um mapa pouco explicativo. Não parecia missão fácil encontrá-lo, ainda mais para marinheiros de primeira viagem. Talvez tivéssemos alguma dificuldade, mas não estávamos preocupados, havia muito a ser visto, cedo ou tarde a encontraríamos.
Logo ao entrar, observamos um grande fluxo de pessoas percorrendo o mesmo caminho. Chamava atenção a grande quantidade de pessoas apressadas que passavam pelos mesmos corredores e escadas seguindo trajetos pouco prováveis para recém chegados. Curiosos, prevendo que pudesse haver relação entre a fila e a estrela do museu, nos aproximamos do movimento e confirmamos a suspeita. Cartazes com setas que indicavam a Mona Lisa conduziam os visitantes em uma trilha bem organizada, como um caminho de formigas. Então, seria fácil encontrá-la, bastaria seguir o fluxo. Seguimos. Ao chegar perto, demos de cara com uma fila de bom tamanho – de vinte a trinta minutos segundo os entendidos de fila do Louvre que ali faziam plantão, ansiosos para demonstrar seus conhecimentos aos turistas novatos. Decidimos esperar, quanto mais tarde, pior. Não é preciso ser entendido de fila do Louvre para chegar a tal conclusão. Um grupo de pouco mais de uma dúzia de visitantes aflitos entrava no salão a cada três ou quatro minutos, tornando o cálculo do tempo de espera tarefa fácil.
Alguns anos antes, eu caminhava pelas salas quase vazias do Museu do Prado observando aquelas obras extraordinárias quando topei com um quadro da Mona Lisa, supostamente pintado por um discípulo de Da Vinci. Andrea Salaì e Francesco Melzi figuram entre os mais prováveis. Congelei. Apenas nós dois naquele salão vazio… eu e Mona Lisa. Que privilégio. Ela sorriu para mim, e eu retribuí. Que emoção. Belíssimo quadro: cores, iluminação, sombras e o mesmo sorriso enigmático que havíamos visto em gravuras dos livros escolares estavam estampados naquela obra magnífica. A perfeição estética do renascimento estava a poucos centímetros dos olhos. Não perceberia a diferença se me fosse apresentado como o quadro original. A Mona Lisa do Prado, mais jovem, magra e pálida, também é fascinante. Foi pintada por alguém que estava ao lado de Leonardo, tentando copiar cada pincelada do mestre enquanto ele produzia uma de suas obras primas. Utilizando técnicas modernas como raios X, infravermelho e imagens digitais de alta resolução, a análise do quadro revelou que quando Da Vinci ajustou o tamanho da cabeça da Mona Lisa, ou corrigiu suas mãos, ou baixou seu decote, o movimento foi copiado por quem quer que tenha feito a obra do Prado.
Nossa vez de entrar no salão da Mona Lisa original do Louvre. Fomos os primeiros a chegar no cordão de isolamento distante uns cinco metros da obra. Muitos guardas vigiavam o local orientando os afoitos turistas com gestos e palavras fortemente pronunciadas no modo imperativo. Muito barulho e alguns empurrões. Enquanto observávamos a obra à distância permitida, percebi que nosso comportamento destoava dos demais. As pessoas não observavam, preocupavam-se apenas em fotografar ou filmar, todas em busca de selfies com o quadro ao fundo para registrar que lá estiveram, como se tivessem que mostrar ou provar uma façanha. O mundo mudou, e o conceito de aproveitar o momento também; passou a ser registrar para postar, provar para reviver mais tarde. Mas como é possível reviver algo não vivido? Enfim… cada um aproveita como quer. Os guardas pediram sem gentileza para que deixássemos o salão. A próxima turma de caçadores de selfies precisava entrar, e entrou, no mais puro estilo estouro da boiada.
Foi um grande prazer e um privilégio ter conhecido as duas Mona Lisas. Ambas experiências estão muito bem registradas na memória, naquele canto onde ficam as boas recordações da vida. Podem ser revividas com riqueza de detalhes enquanto minha memória estiver viva, e quando não mais estiver, algumas fotos sacadas no final das visitas, de saída, poderão ser úteis. Quando estiver bem velhinho, com a memória já apagando, quero ter a sorte de encontrá-las e constatar com surpresa que um dia eu vi a Mona Lisa.