Dessa vez a inspiração veio da leitura de um texto de João Ubaldo Ribeiro publicado no livro O rei da noite. Mas não no sul é o título da crônica em que João lamenta sua falta de conhecimento em relação aos assuntos tratados em festinhas e reuniões sociais, mas apresenta uma alternativa para disfarçar sua deficiência em determinadas situações. Quando o tema é geografia ou história, ele costuma dizer “mas não no sul”, uma frase que faz com que pareça entendido assunto. Lembrei agora do Falso Entendido do Luís Fernando Veríssimo. Genial.
Meu texto é diferente, e se refere às lamentações e queixas que sou convocado a ouvir em alguns encontros casuais do dia a dia. Nem sempre quem pergunta se está tudo bem quer saber se está tudo bem. Como você bem sabe, são muitas as pessoas que reclamam da vida com boa frequência. Os motivos são diversos: para aliviar frustrações, buscar aprovação ou simplesmente para cultivar um velho hábito. Do outro lado estão os que escutam, porque, enfim, alguém precisa escutar. No fim, reclamar é quase um esporte coletivo: uns falam, outros ouvem, uns saem mais leves, outros, mais pesados.
Eu costumo integrar o grupo dos que escutam, e assim como João Ubaldo, que solta sua frase de efeito quando é impelido a opinar sobre um assunto que não conhece, tenho também uma saída honrosa diante dos lamentos de desconhecidos. A expressão “eu entendo”, sugerida certa vez por um amigo, parece funcionar bem nessas situações. Você não precisa arriscar um conselho, basta repetir “eu entendo” em intervalos regulares para que tudo se resolva, disse o amigo quando me apresentou a solução. Afinal, quem reclama não quer que você resolva o problema, quer apenas que você o valide, completou. Conselho de um insensível, pensei na hora. Mas depois tive que dar o braço a torcer: bastam dois ou três “eu entendo” para que o reclamante comece a se acalmar. É quase terapêutico.
Semana passada, tive que recorrer ao artifício mais uma vez. Ao descer as escadas para o estacionamento do supermercado, segurando algumas sacolas pesadas, fui abordado pelo segurança, que trazia um semblante carregado e um jornal na mão.
— Este país tá virado do avesso — disse ele. — Os ladrões nem ficam mais presos.
— Pois é, tá difícil — respondi, caminhando apressado em direção ao carro.
— E agora querem que eu trabalhe no domingo; é complicado — prosseguiu, me seguindo até o carro.
Reparei, então, que o sujeito precisava reclamar, e não demorei a lançar mão do “eu entendo”, já abrindo o porta-malas para descarregar as compras. Ele precisava mesmo: queixou-se da mulher, reclamou dos filhos que exigem muito mas não ajudam em casa, protestou contra o patrão... e eu disse entender tudo, de tempos em tempos, sem ter certeza de que cara se faz quando se diz isso.
Ao ouvir meus comentários empáticos e repetitivos, perdeu o ânimo. Desejou boa noite e se foi.
Como sempre, saí carregando um pouco de culpa. Mas, enfim, fiz o que era possível: entender. Naquele momento, eu não podia ajudar em nada, ainda mais com um pote de sorvete derretendo no porta-malas.
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