Segundo o oráculo, Tróia só seria tomada se contasse com o auxílio de Aquiles. Sua mãe Tétis, ao tomar conhecimento da profecia, temendo a morte do filho na guerra, mandou-o para o reino de Licomedes disfarçado de menina, mas a estratégia não funcionou. Aquiles foi encontrado por Odisseu alguns anos mais tarde, e então, Tétis teve que contar a verdade. Meu filho, tu tens duas opções: não ir à Guerra, ter uma vida normal, casar, ter filhos e ver teu nome se perder através das gerações, ou ir à guerra, vencê-la quase que por si próprio e morrer atingido por uma flecha deixando teu nome marcado na história. Como você sabe, Aquiles escolheu a segunda opção: lutar, vencer, morrer e ser lembrado pela eternidade. Hoje em dia é mais lembrado pelo calcanhar do que pela vitória em Tróia, é bem verdade, mas não fosse a glória na guerra, o calcanhar seria esquecido, como esquecidos foram cabelos, músculos e outras partes protuberantes dos corpos de celebridades instantâneas do mundo moderno. Alguns dizem que se estivesse apaixonado, teria escolhido a primeira opção. É provável, a paixão tinge de desimportante tudo que não tem a ver com a pessoa amada. Ah, sim, a história do calcanhar também tem relação com Tétis. Querendo conferir imortalidade ao filho, ela teria mergulhado Aquiles no rio Styx, mas por um lapso, teria deixado de fora o calcanhar, que se tornou seu ponto fraco e o destino da flecha fatal.
Eu não tenho tanta sede de imortalidade. No lugar de Aquiles, teria escolhido a primeira opção; vida pacata, família, filhos e esquecimento. Aliás, esta foi minha opção três mil anos mais tarde. Não havia profecia alguma a meu respeito, mas eu poderia ter entrado no Greenpeace, na política, no Big Brother, ou, quem sabe, ter sido voluntário na guerra da Ucrânia em busca de fama. Tenho sorte de não ser como Aquiles, a busca pela imortalidade continua sendo tarefa muito difícil no mundo moderno. Juntar-se a Muhamed Ali, Nelson Mandela, Henry Ford, Madre Teresa de Calcutá, Pelé, Albert Einstein ou Pablo Picasso é missão quase impossível. Nem mesmo genialidade, bravura ou altruísmo excepcionais garantem vaga no grupo dos imortais. Eu pensava ter domado aquele sonho adolescente de deixar minha marca no mundo, mas percebo que a vontade de escrever descoberta recentemente pode ter relação com isso. Eu julgava estar completo, mas parece que nunca estamos.
Não sei ao certo se o dilema custou a Aquiles noites mal dormidas ou se ele decidiu de forma rápida. Ah, decisões difíceis… roubam nosso sono e consomem nossa energia, mas não decidir pode ser a pior decisão. Os muros de Tróia jamais cairiam sem que o filho de Peleu e Tétis estivesse entre os atacantes. Minhas habilidades como escritor e meus leitores não aumentarão sem que eu invista neste projeto tempo e energia hoje dedicados a outras áreas da vida. Meu dilema não pode ser comparado ao de Aquiles, senão pela dúvida imposta. Nessas horas, lembro de uma frase da música Lutar pelo que é meu do Chorão: cada escolha, uma renúncia, isso é a vida.
O assunto imortalidade me fez lembrar de Érico Veríssimo no livro infantojuvenil “As aventuras de Tibicuera” , o protagonista descobriu o segredo.
Lembro vagamente do nome Tibicuera, mas não do segredo descoberto. Fiquei curioso… vamos à pesquisa…
Meu caríssimo amigo, se me permite um comentário “textão” e, infelizmente, não muito agradável…
Eu não sei se ter um projeto (um objetivo de ampliação de habilidades, vamos dizer assim) é, no final das contas (no balanço final), bom ou ruim. Realmente não sei.
Em tempos passados eu seria definitivo na resposta positiva. Ora, em primeira vista, como pode um nobre objetivo desses ser, de alguma forma, ruim?
Mas hoje, mais calejado (bem calejado), já tenho dúvidas. Não chego a pensar negativamente, mas tenho sérias dúvidas de que valha à pena.
Não que tenhamos opção, pois esse tipo de coisa nos vêm e nos arrebata. Mas, ao final de alguns anos (muitos anos), quando se avalia os resultados e os sentimentos residuais (internos e particulares), penso que talvez não tenha valido à pena.
Sério…
Mas, como eu disse, não temos muita escolha e, grande parte do caminho de busca de um skill é muito prazeiroso pois é utópico, numa utopia de sucesso.
Não falo do amigo, nem de mim, falo geral (ou falo de todos).
Como tu disse, não conseguimos ser um Pelé. Mas, na verdade, não conseguimos ser nem o dedão do pé do Pelé. Nem sua unha encravada.
Nas décadas de minha vida, principalmente no cenário musical, tenho acompanhado muitos amigos músicos nesta batalha.
Músicos, atores, escritores, pintores, dançarinos, … em geral artistas, seguem esse exato caminho, e chegam no mesmo dolorido ponto: valeu à pena?
Sei que o caso do amigo não é um caminho profissional, mas dá no mesmo.
Aliás, esse me parece o mesmo caminho dos empreendedores. Dado o volume gigantescamente maior do que o de artistas, os poucos de real sucesso são quase os Pelés dos negócios.
Como empreendedor, sempre me questionei se não estaria mais feliz acordando tranquilo e indo trabalhar em alguma grande empresa. Voltando para casa tranquilo e tirando minhas férias…tranquilo.
É duro.
Ah, eu cheguei a falar dos amigos próximos que passam a querer te mostrar que tu “não tem tanto talento assim”? Esses são os eventos mais dolorosos e tristes.
Então…peço desculpas pelo textão com esse ponto de vista negativo (mas é realista), mas que sirva para te deixar mais forte em frente à essas dificuldades que vais enfrentar.
Conselho? Trabalhe para que tu consiga, de fato e verdadeiramente, fazer isso (teus textos e teu caminho de evolução) somente por prazer, somente para ti, somente pela arte. Creio que seja uma forma de se defender da contrapartida tão chata que vem de uma coisa tão ducaralho como escrever, tocar, cantar, dançar, atuar, …
Boa jornada Bettella e, como dizia meu tio, “me desculpe alguma coisa”!!!
Grande amigo João. Acho que entendo o que queres dizer. Ainda que tenhamos vivido boa parte da vida afastados, é fácil pra mim reconhecer teu grande talento musical e de empreendedor em TI nem sempre reconhecidos. Sim, João, somos arrebatados pela arte e devo manter firme o propósito de não criar grandes expectativas quanto ao reconhecimento. O prazer de escrever e os amigos como tu bastam. O resto, se vier, é lucro. Valeu, João. Grande abraço.