
O assunto é tomografia com contraste - tomo para os íntimos. Você já fez? Não vale sem contraste, compromete muito a experiência. Eu faço a cada meio ano, ou melhor, a cada oito ou nove meses, porque vou deixando passar a data prevista por descuido. Estou ficando conhecido por lá, mas um fato conspira a meu favor: tenho veia boa e vou logo avisando. Braço esquerdo ao lado do sinal. Não tem erro.
A primeira vez é intimidante. Às vezes alguém desiste ao ler a papelada que eles dão pra gente assinar na recepção. Meu conselho: não leia. Outras vezes alguém desiste ao preencher os vários questionários com as várias perguntas repetidas que eles dão pra gente preencher antes do preparo. Meu conselho: preencha. E diga a verdade.
O ponto alto da experiência é quando aplicam o contraste. Corre um calor pelo corpo seguido de uma sensação de que você vai fazer xixi ou desmaiar. Mas não se impressione, os desmaios são muito raros. O fantasma é a reação alérgica. Uma vez acharam que eu estava tendo uma. O enfermeiro viu minhas manchas vermelhas na pele e foi logo perguntando com cara assustada se eu estava bem. Eu estava, mas a expressão dele me fez duvidar por um instante. Ah, isso são manchas do sol, respondi. Pele clara, infância e adolescência vividas na rua sem protetor solar, dão nisso. Ele não acreditou. Chamou uma médica que parecia recém saída da adolescência que chamou um sujeito cuja adolescência parecia muito distante. Os três me cercaram, me deram Alegra - que pelo nome parece ser remédio para depressão - e ficaram me observando. Coloquei meus fones de ouvido, selecionei a playlist do Rappa e aumentei bem o volume para demonstrar que estavam enganados. Uma vítima de reação alérgica não faria isso, pensei. Funcionou, meia hora depois, me liberaram.
Chato mesmo é aquele pedido para trancarmos a respiração várias vezes durante o exame. Encha o peito de ar, e segure, diz a voz que sai de um auto-falante embutido na máquina. Até quando? - perguntam-se os novatos. Depois que o scanner percorre lentamente o corpo, a voz retorna para informar que você pode respirar. Levei um bom tempo até descobrir que a voz é gravada, demorei algum tempo até perder o medo de que esquecessem de me autorizar a inspirar novamente, imaginava alguém entrando na sala desviando a atenção do sujeito que manda parar e voltar. Enfim, nunca aconteceu.
Hoje vou tranquilo, bem relaxado, de camiseta e calça de abrigo sem feixes, botões ou elementos metálicos para ser poupado daqueles aventais apertados e difíceis de amarrar. Encho o peito de ar e seguro a ansiedade, encaro o exame como mais uma dessas experiências da vida que nos torna mais cascudos e observo tudo em busca de uma boa história para contar, porque no fim das contas, a vida é feita de histórias.
Este site utiliza cookies para garantir a melhor experiência.