Os garçons da 926



Quem se hospeda na cabine 9235 do MSC Preziosa, tem direito a jantar todas as noites na mesa 926 do restaurante L'Arabesque, localizado na popa, no Deck 6. Reza a lenda que isso acontece em todos os cruzeiros não temáticos do verão brasileiro. O Chef é ótimo, o ambiente é requintado, e os garçons que servem a mesa são bem sincronizados, apesar de terem nascido em cantos opostos do mundo, um no interior do Ceará, outro em Jakarta. Márcio e John Kennedy são muito competentes, gostam de uma boa conversa e não deixam ninguém com a taça de vinho vazia. 

Márcio é comunicativo, conta os detalhes do trabalho no cruzeiro com prazer e orgulho. Carrega a bandeja lotada de refeições vindo da cozinha com maestria, e declara ter aprendido o ofício na marra, motivado pela curta frase que ouviu nos primeiros dias de trabalho: quebrou, pagou. Kennedy não fala português e mal arranha o inglês, mas é bem expressivo e muito bom de mímica, o que facilita um pouco as coisas. Tem um talento ímpar para a comicidade - ao repor o vinho nas taças com quantidade bem acima do habitual, costuma fazer um gesto de travesseiro com as mãos, inclinar a cabeça e dizer: good to sleep.

Márcio sente saudades da família depois de sete meses longe de casa. Gosta dessa vida, mas pretende parar daqui a alguns anos, o ritmo é pesado. Kennedy tem um filho de cinco anos que sofreu uma intervenção cirúrgica recente, algum problema digestivo - foi o que deu para perceber quando apontou para a barriga e girou a mão algumas vezes -, mas não é mais casado, sua mulher arrumou outro marido enquanto ele trabalha do outro lado do mundo, contou na última noite com ares de desabafo. As provações da vida… e nós, sem muito o que oferecer além de mensagens de otimismo. Foi a única vez que vimos expressão de tristeza naquele rosto jovem e um pouco sofrido, mas tudo voltou ao normal quando pedimos a sobremesa, uma torta mousse de chocolate com café, uma espécie de Tiramisú. Kennedy franziu o nariz e balançou a cabeça em sinal de reprovação. Not good, not good, disse ele, much chocolate.

Todo bom garçom precisa ter alguma característica marcante, ouvi certa vez de um filósofo da vida noturna. Kennedy tem, e rende muitos momentos divertidos. Tínhamos que escolher dentre algumas opções diárias de entrada, prato principal e sobremesa, e sempre que optávamos por algo que ele desaprovava, a reação era a mesma: nariz franzido, balanço negativo de cabeça, um not good e uma nova sugestão. Às vezes cedíamos, outras, batíamos pé, como foi no caso da sobremesa de chocolate - excelente por sinal, a favorita do Márcio, soubemos depois. Quatro dias assim dariam um livro.

Você talvez esteja intrigado com o nome John Kennedy. Foi o que conseguimos entender depois das muitas vezes em que ele tentou nos ensinar a pronunciar seu nome. Vendo nossa dificuldade, sugeriu chamá-lo de John, e, claro, aceitamos na hora. Márcio também é nome fictício, bem próximo do verdadeiro, que apenas os frequentadores da mesa 926 e adjacências terão a oportunidade de descobrir.

Há muito a dizer sobre esse cruzeiro. Pensei também em escrever sobre a variedade e a  qualidade dos ambientes musicais noturnos, sobre o trio de piano, guitarra e vocal que entrega um tributo impecável a Amy Winehouse. Mas isso fica para outra ocasião. A dupla que atende a mesa 926 do  L'Arabesque se impôs sobre todos os outros assuntos. Pela simpatia, pela história, pela humanidade, e pela chance de prestarmos uma justa homenagem a quem nos ofereceu momentos tão bons.

 


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