Luiz Fernando Bettella

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Luiz Fernando Bettella

É ela quem decide

Quando um casal entra na loja, vocês devem se dirigir a ela, sempre a ela. Não importa se estão à procura de um sapato masculino, é ela quem decide. O atendimento e o produto devem agradar à mulher, senão, nada feito. Temos aqui uma das primeiras lições que passo aos vendedores quando ministro treinamento. Tenho grande experiência em vendas, conheço o assunto. Alguns alunos se surpreendem, chegam até a duvidar da orientação, mas logo me darão razão. Entender o comportamento dos casais hétero em compras e a dinâmica da tomada de decisão é fundamental para o sucesso em vendas. Caso o casal procure calçados masculinos, aproxime-se dela e pergunte: vocês procuram algo em especial? Assim você ganhará a simpatia e o respeito de quem toma a decisão sem excluir o interessado no sapato. Aos alunos que demonstram espanto com minhas palavras, costumo contar uma história. Aconteceu comigo. Importante lição aprendida, a partir da qual adotei a estratégia vencedora de me dirigir sempre às mulheres.

Primeira semana como vendedora numa loja de sapatos na Hilário Ribeiro. Primeiro final de semana na função, um ensolarado sábado de primavera enchia a rua de casais de mãos dadas à procura de diversão nas vitrines. Havia um clima de romance no ar, mas eu só pensava em faturar… Assim que a loja abriu, entrou o  primeiro casal. Ela foi para um lado da loja, ele para o outro. Ela parecia dispersiva, indiferente, não demonstrava interesse em nada. Ele parecia obstinado, decidido a comprar. Observei ambos com atenção à procura de um sinal. Ele pegou um sapato, admirou, e me buscou com o olhar. Atendi com otimismo, afinal, estava decidido, e eu, prestes a realizar a primeira venda de sapato masculino da carreira. Gostei desse, disse ele, tem 41? Tem sim, já vou pegar, respondi. Subi ao depósito como um raio. Ao voltar, estavam juntos novamente. Abri a caixa na frente dos dois, estava confiante até ouvir a intervenção dela: este não serve, ele não gosta de sapato sem cadarço. Tentei disfarçar a surpresa. Ele havia gostado, havia escolhido, acreditei que fosse defender sua posição… Esperei pela manifestação, mas ela não veio. Em vez disso, recebi um sorriso amarelo. Fechei a caixa, abri outro sorriso amarelo e acomodei a situação com a maior naturalidade que me foi possível: temos várias opções com cadarço, fiquem à vontade.   

Primeiro senti pena, depois indignação, mas logo me dei conta de que não cabia a mim entrar no mérito, julgar atitudes e definir certo ou errado. Meu negócio é vendas, pensei, e para cumprir minha missão devo focar no comportamento dos clientes, identificar como funcionam os casais em compras e me adaptar. Com o tempo confirmei que o comportamento daquele casal pode ser considerado um padrão, uma regra, e como tal, sujeita a exceções. Sem juízo de valor nem senso de justiça, posso atestar que quando um casal está em compras, é ela quem decide. A estatística confirma, assim caminha a humanidade.

Ao contar a história a um amigo, pude sentir seu desapontamento. Que decepção, disse ele, a que ponto chegamos… Comigo não é assim, meus sapatos eu escolho. Tem certeza? Retruquei. Às vezes a dinâmica do casal é um pouco diferente, ela exerce influência decisiva mas dá a entender que a decisão foi dele. Por exemplo: quando ela diz “não gostei”, ele invariavelmente desiste da compra. Meu amigo ficou pensativo. Pensou, pensou e com evidente desilusão concluiu: pior que é verdade… se eu fizer questão de decidir, melhor ir sozinho da próxima vez, mas talvez isso não seja tão importante.

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